Os acervos têm como finalidade documentar e conservar os conhecimentos produzidos por uma sociedade, ou seja, seu patrimônio. Conservam portanto sua memória por meio de bibliografias, obras de arte, objetos históricos e da cultura visual.
Os acervos públicos são recursos educacionais importantes, na medida que constituem espaços democráticos e diversificados de relação e mediação cultural, com o poder de propiciar aos visitantes a ampliação de seus conhecimentos, do campo de possibilidades para a construção identitária e da percepção crítica da realidade.
Os acervos públicos alimentam também a produção de novos saberes por teóricos e pesquisadores, configurando-se assim recursos importantes para a humanidade como um todo. Por fim, promovem o lazer e a inclusão social.
Reconhecer, valorizar e dar visibilidade aos acervos significa olhar com atenção para nossa história na busca do entendimento do que somos enquanto humanidade. É também um manifesto de resistência ao fetiche pelo inédito, já enraizado e hegemônico na sociedade capitalista neoliberal contemporânea que todos construímos.
Tradicionalmente, os acervos públicos são abrigados por instituições de grande porte, como museus e centros culturais, localizados especialmente nas capitais dos estados mas também em outras cidades grandes e médias. Estas instituições têm a difícil missão de definir e selecionar – dentre as bibliografias, obras de arte, produções culturais e documentos existentes – o que é consagrado e suficientemente excepcional e que, logo, deve ser salvaguardado. Isso significa, portanto, que estas instituições, vistas como legitimadoras dentro do sistema da arte, não têm a capacidade de documentar e preservar toda a produção de conhecimento da humanidade, sobretudo as produções difundidas pelos circuitos não hegemônicos.
Por conta dos altos custos envolvidos na preservação de acervos (físicos) e também na climatização e manutenção de reservas técnicas para abrigá-los, estas instituições de grande porte tampouco dão conta de salvaguardar toda a produção por elas mesmas considerada excepcional. De fato, dada sua relativa baixa capilaridade nos tecidos urbanos, parte do que é excepcional sequer é conhecido pelas equipes curatoriais das instituições de grande porte, por um ou outro motivo. A grande maioria das cidades brasileiras nem possui uma instituição de grande ou médio porte.
Dentro da cena de arte independente (ou auto-organizada), especialmente relevantes em cidades médias e pequenas, a criação de acervos físicos com estrutura adequada, que justamente documentem e preservem obras não absorvidas pelos museus e grandes centros culturais, é impraticável: os custos giram muito fora dos limites orçamentários dos espaços e iniciativas.
A escassez de acervos dentro da cena de arte independente (ou auto-organizada) foi uma das grandes motivações para a criação do HIPOCAMPO lá em 2016. E como manter um acervo físico seria financeiramente impossível, a escolha foi por criar um acervo digital, uma vez que o custo para manter arquivos digitais é infinitamente menor, o que torna a manutenção do acervo HIPOCAMPO economicamente viável.
Fundado por Maíra Endo, o acervo HIPOCAMPO é hoje formado por cerca de 380 peças, entre textos e vídeos em diversos formatos, áudios, desenhos, ilustrações, fotografias, livros de artista e publicações, de mais de 40 colaboradores de diferentes áreas artísticas, atuações e localidades.
O HIPOCAMPO está focado em atrair para seu acervo, de forma contínua, conteúdos já produzidos por seus colaboradores – sobretudo no âmbito das artes visuais mas também de outras linguagens como cinema, dança, literatura, teatro, pesquisa, crítica e jornalismo cultural -, em especial aqueles que tiveram poucas oportunidades de serem exibidos/publicados ou que pouco circularam, seja pelo seu caráter experimental e/ou processual, pela temática abordada/envolvida ou por outros motivos.
Portanto, além de multidisciplinar, o acervo HIPOCAMPO é misto: é museológico já que conserva obras de arte, mas também bibliográfico, uma vez que abriga textos em diversos formatos, livros, publicações de arte e revistas. Um arquivo vivo, o acervo está em constante expansão: a cada mostra novas peças são incluídas e novos colaboradores são recebidos.
Hoje o acervo HIPOCAMPO – especialmente relevante por sua qualidade, pelo seu viés experimentalista e processual e pela multiplicidade de seu conteúdo, reflexo da diversidade dos colaboradores e suas origens – ainda é um dos poucos espaços de arte independentes dedicados à construção de um acervo público no Brasil. O formato do acervo, digital, e de suas mostras, virtuais, possibilita que o HIPOCAMPO esteja “aberto” 24 horas por dia, com uma abrangência global.
A formalização das doações ao acervo e sua catalogação, ações viabilizadas através de premiação no edital ProAC Expresso Direto n. 40/2021, foram realizados entre abril e julho de 2022, tendo como responsável a museóloga Camila Bôrtolo Romano. Para saber mais sobre o trabalho desenvolvido por Camila no acervo HIPOCAMPO, assista ao vídeo abaixo.